Professora da Bahia é premiada por projeto voltado para crianças negras
Educadora trabalha em escola municipal de Lauro de Freitas há três anos.
'Antes não dávamos enfoque nas marcas identitárias', diz professora.
Após perceber que seus alunos - a maioria negros - não se identificavam com a própria cor, uma professora de Lauro de Freitas, cidade da região metropolitana de Salvador, se inspirou em Riachão, soteropolitano que é ícone do samba no Brasil, para fazer com que as crianças conhecessem e tivessem orgulho de suas origens. O projeto deu tão certo, que se tornou o grande vencedor da 16ª edição do Prêmio Arte na Escola Cidadã, na categoria Educação Infantil. Concedida pelo instituto Arte na Escola desde 2000, o prêmio identifica, valoriza, documenta e divulga as melhores práticas pedagógicas no ensino da arte na educação básica, em nível nacional.
Fátima Santana Santos, de 37 anos, desenvolveu o projeto para crianças negras da Escola CEI Dr. Djalma Ramos. A unidade de ensino atende crianças de 0 a seis anos, e Fátima compõe o quadro da escola há três anos.
Com o tema "Dr. Djalma Ramos e seu amor por Riachão", o projeto incentivou as crianças a mergulharem na cultura baiana, experimentarem o samba como movimento cultural, a dança, música, vivência de costumes, teatro de fantoches, cinema e patrimônio imaterial, além de envolver os pais também nessa realidade. "Antes de elaborar o projeto, começamos [ela e os educadores da escola] a discutir que não dávamos enfoque nas marcas identitárias. Um município [Lauro de Freitas] tão negro, com quilombolas por perto, e não tratávamos da questão racial", conta Fátima.
Riachão, tema do projeto, nasceu em 1921 e desde os nove anos já cantava em serenatas e nas batucadas do bairro do Garcia, em Salvador. O sambista compôs a primeira canção aos 12 anos. Ele já teve diversas de suas músicas interpretadas por cantores como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Cássia Eller.
Fátima conta que o projeto foi desenvolvido através de oficinas, pelos educadores da escola. "A gente fez diversos trabalhos durante três meses de 2014. Trabalhamos a musicalidade no berçário, o grupo quatro [com crianças de 4 anos] confeccionou bonecos negros, já a professora do grupo cinco [com crianças de 5 anos] aproveitou as letras das músicas de Riachão para trabalhar a parte alfabética, e aí por diante", explicou.
Para Fátima, o projeto é importante pois é uma forma de transportar as crianças para o próprio legado cultural, a fim de que possam se enxergar a partir daqueles, que de fato, o representam.
"Pensamos em Riachão como tema por ser um grande representante do samba na Bahia, por ser negro, porque as crianças vão olhar para ele, se identificar e pensar: 'ele tem a mesma cor que eu'. Queríamos que as crianças tivessem experiências de felicidade, contato com música de Riachão, e que fortalecessem a questão identitária", relata.
A professora conta um momento chave, que a fez pensar em uma forma de fazer com que os alunos se identificassem com a própria cor. "A maior parte dos alunos é negra, mas ao desenhar autorretratos, eles usavam canetas e tintas claras ou cor de rosa, negando suas origens. Hoje já percebemos os alunos utilizando mais a cor preta, se identificando com seus autorretratos e felizes com isso", afirma.
A professora ainda disse que a ação também atingiu os pais dos alunos. "As mães estão mandando os alunos para a escola com os cabelos soltos, fazendo com que a criança reconheça o cabelo crespo com naturalidade, que não o veja como 'feio'. Além disso, realizamos algumas oficinas que englobaram os pais também. As mães participaram de uma oficina de turbantes, e vejo que algumas delas estão vindo deixar as crianças na escola usando turbantes. Fizemos ainda uma oficina de bonecos, e a produção deles se transformou em renda para algumas mães", relata.
O projeto continua
Em 2015, a escola continua desenvolvendo o projeto, mas com o tema "Mariene, um canto que encanta nossa gente". Mariene de Castro é uma sambista baiana de 37 anos.
"Percebemos que a maior parte das crianças na escola é formada por meninas, então estamos trabalhando o empoderamento delas através de Mariene de Castro", relatou Fátima.
De acordo com a professora, a colega de trabalho Mabian Ribeiro chegou a escrever um livro com a história de vida de Mariene para que os alunos saibam mais sobre a cantora. "É um livro interno, sem publicação externa. Fizemos uma tarde de autógrafos, foi bem legal, algo nosso mesmo", disse.
O projeto de Fátima será documentado em vídeo e exibido inicialmente na cerimônia do Prêmio Arte na Escola Cidadã,que será realizada em 25 de novembro, no SESC Consolação, em São Paulo.