Eficiência na Gestão Fiscal: Dever legal de todo gestor municipal
A grave crise fiscal porque passa o país é fortemente sentida nos municípios. Estes veem-se premidos pela pressão social por mais serviços, na mesma medida em que presencia o declínio das suas receitas.
Ocorre que existe um grande potencial para o desenvolvimento da receita tributária própria do Município, que deve explorado adequadamente, tendo em vista a natural rejeição social do contribuinte em pagar tributos.
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Não se trata isoladamente de aumentar a carga tributária, mas, sim, de aprimorar, atualizar e racionalizar as normas, os dados e os procedimentos, identificando e eliminando as deficiências e desatualizações das quais decorrem o reduzido aporte de receita e a evasão fiscal.
De início, cumpre demonstrar que há um dever legal de instituir e efetivamente arrecadar todos os tributos de sua competência, conforme afirma o art. 11 da Lei de Responsabilidade Fiscal:
Art. 11. Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação.
Parágrafo único. É vedada a realização de transferências voluntárias para o ente que não observe o disposto no caput, no que se refere aos impostos.
Note-se que cobrar os tributos não é uma faculdade do gestor, mas um dever, um imperativo legal, que deve ser observado sob pena de duas penalidades: uma, institucional, porque o Município fica vedado de receber transferências voluntárias, nos termos do parágrafo único acima mencionado, e outra, pessoal, por ser ato de improbidade administrativa agir negligentemente na arrecadação dos tributos, nos termos do art. 10, X da Lei n. 8.429/92:
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
(…)
X – agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;
Ainda sobre esse dever, o art. 13 da Lei de Responsabilidade Fiscal impõe a cobrança administrativa ou judicial dos tributos em atraso em dívida ativa, como também a propositura de execução fiscal vigorosa e que tenha o condão de efetivar a arrecadação municipal.
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Para além de tudo isso, o Tribunal de Contas dos Municípios notifica o gestor quanto à necessidade de demonstrar a eficiência na gestão fiscal nas hipóteses de baixa arrecadação. Daí a importância de o gestor conhecer as receitas do seu Município e o modo de cobrá-la eficientemente.
1 – Fontes de Receitas dos Municípios
Os recursos dos Municípios vêm de diversas origens. A parte mais considerável é oriunda das transferências constitucionais. Referem-se aos tributos arrecadados pela União e pelos Estados e que uma parte do percentual arrecadado é destinado aos Municípios.
No caso da União, o mais importante é o Fundo de Participação dos Municípios, que é formado por 24,5% da receita arrecadada do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados. Da União também são repassados 50% do Imposto Territorial Rural, que pode ser majorado para 100% acaso haja convênio com o Município, e 25% da CIDE-Combustíveis, percentual este retirado dos valores recebidos pelos Estados.
No caso dos Estados, há o repasse de 25% do ICMS e de 50% do IPVA, neste caso, para os veículos nele licenciados.
Há também as fontes próprias, relacionadas aos tributos de competência dos Municípios. São eles: Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), Imposto Sobre Serviços (ISS), Imposto sobre a Transmissão inter vivos (ITIV), Taxas, Contribuição de Iluminação Pública e Contribuição de Melhoria.
Cada receita mencionada carece um pouco de atenção pois há mecanismos para incrementá-las.
2 – Breve análise das fontes de receita
2.1 – IPTU – Há diversas dificuldades para a correta cobrança deste imposto, dentre elas o baixo nível de tecnologia no setor de tributos; a ausência de rotinas de atualizações; a ausência de equipes de fiscalização e a inexistência de cadastro ou existência de cadastro desatualizado.
O Município deve realizar novo cadastro, preferencialmente por aerofotometria, refazer a sua Planta de Valores, instituir a progressividade das alíquotas, e, só com isso, terá aumento substancial na sua receita.
2.2 – ISS – Para esse tributo, o Município deverá realizar o enquadramento por tipo de ISS de novos contribuintes; implantar a Nota Fiscal Eletrônica, para cruzar as informações e acelerar a fiscalização; instituir a retenção do ISS em algumas modalidades; realizar rotinas de fiscalização; focar nas principais teses envolvendo questões atinentes a bancos, leasing, serviços de jogos, planos de saúde, cooperativas, serviços notariais e registrais, construtoras (sub-contratação), serviços de telefonia, serviços de eletricidade, etc., com atenção para a recente aprovação de projeto de lei pelo Senado Federal que distribui o ISS sobre cartões de crédito e débito entre os Municípios onde ocorre o pagamento, o que demandará maior fiscalização.
2.3 – ITIV – A eficiência nesse tributo depende de atualização da sua base de cálculo; análise, autorização/recomendação de emissão de guia e valor em processo administrativo e procedimentos Fiscais de Fiscalização externa nos Cartórios de Registro de Imóveis.
2.4 – ICMS – Para aumentar o seu repasse (valor adicionado), o município precisa acompanhar e atualizar o cadastro de pessoas jurídicas comerciais e industriais, além dos serviços de transporte intermunicipal e telecomunicações; acompanhar o índice de participação dos municípios, através da leitura dos arquivos fornecidos pela SEFAZ; examinar e classificar os respectivos códigos de atividades as novas empresas cadastradas; cruzar informações, se for o caso, sobre cadastramento das empresas; e acompanhar os levantamentos necessários à correta fixação do índice de participação do Município.
2.5 – Taxas – Nesse caso, o Município deve rever suas tabelas e efetivamente cobrar as diversas taxas previstas na sua legislação, como Taxa de Lixo, Taxa de Vigilância Sanitária, Taxa de Licença de Obras, Taxa de Licença de Funcionamento, dentre outras.
2.6 – Imposto de Renda Retido na Fonte – Como o imposto de renda retido na fonte é receita própria dos Municípios, estes devem retê-lo corretamente, das pessoas físicas e jurídicas, para além de transformar, se for o caso, suas empresas públicas ou sociedades de economia mista em autarquias, tendo em vista a possibilidade de retenção e de apropriação da receita também neste caso.
2.7 – Contribuição de Iluminação Pública – Trata-se de importante receita do Município, prevista na Constituição, com o fim de custear os serviços de iluminação pública. Sua receita deve ser suficiente para o pagamento dessas despesas, além dos investimentos.
2.8 – Dívida ativa – Consiste em fonte de receita que demanda esforço para a sua cobrança. No ponto, deve haver uma análise detida do seu real valor, com o fim de dar baixa em cobranças prescritas, ignoradas, isentas e imunes, para que o seu valor real seja conhecido. Após deve haver a cobrança judicial da dívida.
No ponto, importante lembrar a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, favorável ao protesto das Certidões de Dívida Ativa, o que torna eficiente a sua cobrança: “O protesto das certidões de dívida ativa constitui mecanismo constitucional e legítimo por não restringir de forma desproporcional quaisquer direitos fundamentais garantidos aos contribuintes e assim não constituir sanção política”. (STF, ADI 5135, em 09.11.2016)
3 – Conclusões
De tudo o que acima foi dito, restam as seguintes recomendações: (i) necessidade de atualização do cadastro por aerofotometria; (ii) revisão da legislação tributária adequando-a à realidade do Município; (iii) Cadastro dos inadimplentes em órgãos de restrição ao crédito, como SERASA e SPC; (iv) treinamento dos fiscais; (v) Implantação de Nota Fiscal Eletrônica; (vi) Fiscalização intensa, mormente sobre os grandes contribuintes; (vii) realização de convênios para a retenção do ISS na fonte; e (viii) revisão do Valor Adicionado para fins de recebimento do ISS.
Eis algumas simples medidas que poderão mudar a realidade fiscal do Município, o que deve ser feito por imperativo legal. Harrison Ferreira Leite. Professor da UFBA e da UESC de Direito Tributário e Financeiro. Doutor em Direito Tributário pela UFRGS. Ex Procurador-Geral do Município de Itabuna. Advogado.